segunda-feira, 15 de março de 2010

pagando em ingenuidade



O relógio de bolso estava riscado de tanto que ele olhava os minutos que faltavam pra ela chegar. Coçava a cabeça, mesmo sem ter coceira. Bebia água com gás, pra molhar a boca seca, sem sede.

O som de violoncelo suave, vindo do antigo toca-discos, amaciava com delicadeza os ouvidos, porém deixavam-no estranhamente ainda mais ansioso.

Ouvia o bater dos sapatos de salto alto traçando seu caminho pelo piso de mogno. O som sinuava e insinuava; seu coração disparava, dessinuando batidas quadradas, rápidas, traçando o suor no seu rosto.

Ainda não tinha tido coragem para olhar se era ela mesmo que havia chegado, mesmo sem ter dúvida alguma de que não poderia ser outra (ele já havia sentido seu cheiro antes mesmo de ouvir a melodia dos seus passos).
Ao sentir a mão dela tocar o seu braço, estremeceu, mesmo que por dentro, explodiu; e finalmente a viu:

-...
-...
- você está linda...
-...
-...
- obrigada

O vestido preto na altura das coxas casava perfeitamente com o sorriso surgido pelo elogio sincero.

- então... vamos?
- sim, vamos sim.

Não sabia pra onde; e pra ele nem importava.

Segurou na sua mão e estremeceu de novo, por dentro, mas dessa vez sabendo que ela também estremecera.

- o que...?
- ...
- ...
- é o frio...

Envolveu seus ombros com o braço, a puxando pra junto dele, com um beijo na cabeça, selou sua promessa.

- vem cá, eu te esquento.
- ...


E abriu um sorriso nos olhos.