Não aguento mais olhar para aquele rosto. Todo santo dia é
exatamente a mesma coisa: “Oi, tudo bem?”. Falsário filho de uma puta. Eu sei
exatamente o que ele faz , ah eu sei sim. De dia ele tá aqui no trabalho, todo
cheio da pinta. Cabelinho penteado com gel, e passa blush na cara que eu sei.
Mas a noite, rá. Ele é meu vizinho, esse pedaço de merda. Eu
escuto cada umas das porcarias que ele faz com o cachorro dele. Outro dia eu
ouvi o bichinho chorar igual o diabo em frente ao cristo. Cheguei a pensar em
ligar pra polícia. Mas logo ele parou. Achei que tinha desmaiado, não sabia
direito. Passou uma semana e nada de eu ouvir o cachorro. Cheguei a pensar que
ele tinha morrido. Até que eu o vi andando na frente do meu jardim sem a perna
de trás. Inacreditável.
Essa foi só a primeira vez. Nas semanas seguintes eu ouvi o mesmo tipo de gritaria do cãozinho e cada vez que eu o via novamente, estava sem a outra perna, sem o rabo, ou sem uma das orelhas. Até que um dia só ouvi o seu latido fraco no quintal ao lado e resolvi dar uma espiada. O pobrezinho estava lá, só com a pata direita, deitado em frente ao seu pote de ração vazio com o seu nome escrito em letras de forma, com canetão vermelho: Lanchinho.
Foi então que tive o meu estalo. Depois de toda gritaria, no dia seguinte subia da casa daquele crápula um cheiro de churrasco meio estranho. Na instante que associei isso, todo meu almoço voltou, vomitei ali mesmo, no quintal do vizinho. E então vi o Lanchinho se rastejar até perto do muro pra lamber o resto do meu almoço, morto de fome.
Isso foi ontem. De hoje, essa história não passa.
- Tudo ótimo! E o senhor como vai?
- Eu vou bem também!
- Poxa, que bom. Viu, estive pensando, nós somos vizinhos... trabalhamos no mesmo lugar... e nunca nem saímos pra almoçar juntos, acho uma pena. Que tal um rodízio hoje para celebrar?
- Ora... Nunca pensei nisso! Que mal pode fazer, não? Me chame ao meio dia!
Ao meio dia em ponto me encontrei com ele, sem conseguir olhá-lo nos olhos uma vez sequer. Insisti para que fossemos com o meu carro para a churrascaria. No caminho, perguntei:
- Me diga, o senhor gosta de carne de jacaré ou de avestruz?
- Nunca provei, mas se tiver nessa churrascaria não vou me fazer rogado, hahaha.
- Gosta duma carne exótica, né?
Essa foi só a primeira vez. Nas semanas seguintes eu ouvi o mesmo tipo de gritaria do cãozinho e cada vez que eu o via novamente, estava sem a outra perna, sem o rabo, ou sem uma das orelhas. Até que um dia só ouvi o seu latido fraco no quintal ao lado e resolvi dar uma espiada. O pobrezinho estava lá, só com a pata direita, deitado em frente ao seu pote de ração vazio com o seu nome escrito em letras de forma, com canetão vermelho: Lanchinho.
Foi então que tive o meu estalo. Depois de toda gritaria, no dia seguinte subia da casa daquele crápula um cheiro de churrasco meio estranho. Na instante que associei isso, todo meu almoço voltou, vomitei ali mesmo, no quintal do vizinho. E então vi o Lanchinho se rastejar até perto do muro pra lamber o resto do meu almoço, morto de fome.
Isso foi ontem. De hoje, essa história não passa.
- Tudo ótimo! E o senhor como vai?
- Eu vou bem também!
- Poxa, que bom. Viu, estive pensando, nós somos vizinhos... trabalhamos no mesmo lugar... e nunca nem saímos pra almoçar juntos, acho uma pena. Que tal um rodízio hoje para celebrar?
- Ora... Nunca pensei nisso! Que mal pode fazer, não? Me chame ao meio dia!
Ao meio dia em ponto me encontrei com ele, sem conseguir olhá-lo nos olhos uma vez sequer. Insisti para que fossemos com o meu carro para a churrascaria. No caminho, perguntei:
- Me diga, o senhor gosta de carne de jacaré ou de avestruz?
- Nunca provei, mas se tiver nessa churrascaria não vou me fazer rogado, hahaha.
- Gosta duma carne exótica, né?
Após um segundo meio incomodado ele respondeu:
- Sim, sim, mas não provo muito. C-Como sabe?
- Nada não, só palpite. O senhor tem cara.
E seguimos num estranho silêncio até a churrascaria.
Durante o almoço, não trocamos muitas palavras e só consegui
olhar nos olhos dele uma vez. Dava pra ver o prazer que aquele desgraçado comia
aquele pedaço mal passado de jacaré.
Ao sair do restaurante, dei a desculpa que precisava passar
em casa pegar uns papéis que eu havia esquecido. Sugeri que ele poderia
aproveitar e alimentar o cachorrinho dele, que parecia viver chorando de fome.
Falei isso quando estávamos a quase 80km/h. Olhei mais uma vez e ele parecia
assustado. Bem assustado. “O que você tá fazendo, seu animal?” ele berrava.
Tirou o cinto de segurança e ameaçou
abrir a porta pra descer. Foi quando eu brequei o carro bruscamente e
ele bateu com o rosto no para brisa, trincou um pouco, mas já estávamos em
frente de casa. O meu cinto me segurou.
Descendo do carro, carreguei o senhor desacordado sem qualquer cuidado. Avistei em frente à porta o pacote dos Correios que, por uma linda coincidência, havia acabado de chegar. Era o moedor de carne que eu havia comprado.
Descendo do carro, carreguei o senhor desacordado sem qualquer cuidado. Avistei em frente à porta o pacote dos Correios que, por uma linda coincidência, havia acabado de chegar. Era o moedor de carne que eu havia comprado.
Lanchinho já não vai passar fome por um bom tempo.